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Ressignificar para incluir

Brinquedos com novos padrões se tornam ferramenta contra a exclusão social da pessoa com deficiência; pesquisa acadêmica aborda o design inclusivo


Paulo Vitor Souza


“Conseguir atingir uma maior abordagem sobre a diversidade humana é inerente à natureza humana”, observa a designer Clara Lins em sua pesquisa de mestrado, intitulada “Ressignificação dos brinquedos infantis: design para diversidade e inclusão social de crianças com deficiência física”. O trabalho disserta sobre a inclusão de crianças com deficiência física através da ressignificação no design de brinquedos.


Umas das pautas mais prementes na sociedade, a inclusão social, como defende Clara Lins, passou a ser uma necessidade humana. Isso para superar os padrões convencionados socialmente. Por si só, a inclusão trata-se de meios e maneiras de combate a qualquer forma de exclusão provocada por algum tipo de preconceito a certo grupo.


Mas como criar caminhos para a inclusão social? Unir, seria a palavra cuja ação remete a ações importantes nesse contexto. No Brasil, por meio de políticas de ações afirmativas, o poder público aplica uma série de medidas para assegurar a participação efetiva de pessoas excluídas do meio social, seja por alguma deficiência física ou mental, cor da pele, orientação sexual, gênero ou poder aquisitivo.


Mas, mesmo com a implementação de leis que ataquem a exclusão social, a realidade carrega uma série de desafios cotidianos para indivíduos que ainda não participam do debate público dentro da comunidade, e isso acontece várias vezes por causa de preconceitos socialmente compartilhados.


Abordar para incluir

Há diversas formas de abordar a questão da inclusão social. A dissertação de Clara Lins reafirma o papel da pesquisa acadêmica para criar perspectivas concretas para o enfrentamento das desigualdades e exclusão sociais. Em sua abordagem, a designer e pesquisadora se debruça sobre os desafios de crianças com deficiência física. A proposta é de estimular a criação de brinquedos que criem identidade com estas crianças, por meio de pesquisa acadêmica e estudos de casos.


Como análise de caso, Clara Lins se utilizou de conceitos de sua área de estudo, o design. A partir disso, identificou aspectos em que a área provou ser uma ferramenta de inclusão a partir de ressignificações de figuras do mundo infantil e, até mesmo, com a adição e construção de novos personagens. Ela cita, por exemplo, a boneca Beck, que em 1997 foi desenvolvida pela Mattel. A ideia era auxiliar na autoestima de milhares de crianças que não se identificavam mais com a boneca Barbie.


Daí é que veio a criação de uma amiga da boneca mais famosa do mundo. Com uma cadeira de rodas e mochila, a boneca alcançou sucesso imediato, mas não se consolidou. A boneca cadeirante não tinha nenhuma forma de acessibilidade dentro da casa da Barbie. A empresa prometeu corrigir as entradas das portas e o acesso ao elevador, mas não cumpriu com o compromisso. A história de Beck ilustra com fidelidade o desafio diário de ser um indivíduo com algum tipo de deficiência.


A nível nacional, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência delimita inúmeras ações com o intuito de trazer para dentro do debate e participação cidadã a pessoa com deficiência. A lei prevê por exemplo a avaliação biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, com o intuito de assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.


Mesmo com todo o aparato legislativo sobre a questão, iniciativas sociais são as que mais auxiliam na linha de frente pela inclusão social. É dessa maneira que surge a persona “Tina Descolada”, que Clara Lins utiliza para análise de caso em sua dissertação. Tina é uma boneca jovem e cadeirante. Segundo sua criadora, a psicóloga Marta Anísia Alencar, a ideia central para o surgimento da personagem Tina foi a necessidade de criar uma identidade positiva sobre a deficiência.

Tina Descolada é uma criação da psicóloga mineira Marta Alencar. Foto: Divulgação/ Site Tina Descolada

A psicóloga trabalhou 22 anos na Associação Mineira de Reabilitação (AMR) e argumenta que durante sua atuação experimentou situações em que pacientes ainda não conseguiam aceitar algum tipo de deficiência física. “O ‘nascimento’ da Tina foi a partir de uma demanda de uma paciente da AMR, que necessitava de usar a cadeira de rodas e não aceitava o equipamento. Para ajudá-la na sua dificuldade, comprei na web uma boneca cadeirante. Assim começa o processo e a trajetória de vida da Tina Descolada. A aceitação da cadeira de rodas por essa paciente foi o primeiro passo para entender o valor que o brinquedo tem para essas crianças. Pouco tempo depois outras bonecas/os com outras características foram customizadas de acordo com as demandas”, comenta.


A necessidade de haver maior abordagem da natureza humana que Clara Lins defende é reafirmada. Segundo Marta, Tina Descolada despertou o sentimento de identidade aos alunos. “Uma criança não aceitava o uso da bengala para se locomover; utilizei de uma boneca usando bengala para motivá-la. Ao ver o brinquedo em sua frente, ela reagiu com alegria e disse: ‘- oh, sou eu!’. Ao se ver representada no brinquedo, ela se reconhece e externaliza de maneira lúdica sua dificuldade emocional, ao expressar ela ‘desbloqueia’ um sentimento que a impedia de usar o equipamento que ajudaria na evolução de sua reabilitação”, relata.

Foto: Divulgação/ Site Tina Descolada

Para além de uma simples ressignificação de um personagem está toda uma carga simbólica importante para o tratamento de pessoas com deficiência e também para a erradicação do estigma social que estas pessoas enfrentam diariamente. Marta Alencar fala do legado que Tina está deixando. “O maior legado é a constatação do valor que o brinquedo inclusivo tem na construção de uma identidade positiva para as crianças com deficiência. Outro legado em construção é mostrar que o ser humano está para além de sua performance física, pois o que realmente nos enriquece e nos humaniza são as relações que estabelecemos com empatia, compaixão e respeito às diferenças”, ressalta.


Projeto para uma sociedade inclusiva

Em todo o país, inúmeras iniciativas tentam romper as barreiras da exclusão social. A personagem criada por Marta Alencar é mais um esforço em busca de melhor compreensão social acerca da pessoa com deficiência. Ela observa que “a nossa sociedade é capacitista, ou seja, ainda temos preconceito e discriminamos as pessoas com deficiência, porque erroneamente pensamos que elas são inferiores ou incapazes. Essa mentalidade, que é estrutural, pode afetar também as próprias pessoas com deficiências (capacitismo interno, elas interiorizam esses preconceitos sobre si mesmas), mas atinge principalmente as pessoas sem deficiências. Com a personagem Tina Descolada, procuro levar reflexões com objetivo de desconstruir essa imagem negativa e mudar essa mentalidade. As suas atitudes têm o propósito de naturalizar as diferenças, mostrar que somos todos pessoas, embora com características e necessidades específicas e o que precisa se adequar são os ambientes e o respeito à elas”. A mensagem trazida por Tina Descolada faz jus ao nome da personagem. Como qualquer outra pessoa, é possível ser descolado, andar na moda, realizar tarefas de casa, assumir compromissos profissionais e se sentir pertencente a uma comunidade.


Embora Tina Descolada seja uma ‘cidadã belo-horizontina’, sua marca chega a inúmeras pessoas pelo Brasil. Através de site e redes sociais, Marta Alencar realiza outros projetos com o objetivo de alcançar ainda mais pessoas. Além de educação para uma mentalidade inclusiva que propõe em posts nas redes sociais, a psicóloga realiza ações como oficinas (corações solidários, literatura/histórias inclusivas), palestras, exposições de fotografias e de brinquedos. Sobre a ressignificação de brinquedos para a inclusão, ela considera que o processo avança ainda que de maneira lenta. “Acredito que o movimento da inclusão das minorias e pessoas fora dos padrões impostos pela sociedade fez surgir a demanda por essa representatividade. A partir dessa demanda as indústrias começaram a fabricar esses brinquedos, porém é um processo lento, considerando que dificilmente encontramos esses brinquedos nas lojas do ramo”, finaliza.

Foto: Divulgação/ Site Tina Descolada

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